segunda-feira, dezembro 25, 2006

Em cada 25 de Dezembro

...usarei uns "All Star" azuis. Anseio pelas coisas simples, que não carecem de qualquer explicação e, no entanto, encerram toda a complexidade do mundo.



"All Star" - Cassia Eller

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Breve Teoria Geral do Inferno

Se há unanimidade teológica é a de que o Inferno é um sítio insalubre, quente e abafado, (embora ligeiramente mais fresco que Beja em Agosto) e com um enjoativo e omnipresente cheiro a enxofre.
Contrariamente ao mito, estas condições infernais, não derivam, porém, de qualquer abundante combustão de almas – material reconhecidamente incombustível – mas antes da deficiente ventilação do local (uma cave na Damaia) e da sua preocupante sobreocupação, variáveis que originam o por demais conhecido “efeito de estufa”.
Já as culpas pelo fedor sulfúrico recaem inteirinhas na falta de imaginação do pessoal da cozinha, gente aí geralmente madraça, que por facilitismo repete no menu, exageradamente, o clássico culinário transmontano feijão com grelos.
As lamentáveis condições físicas e estruturais do Inferno resultam da sua génese e, não menos importante, da ausência prolongada de investimento em obras de manutenção.
É geralmente aceite como verdade científica que coisa que nasce torta, tarde ou nunca se endireita. E nem mesmo o Inferno, apesar da sua mastodôntica importância, escapa a esse fado.
Ora, sucede que o Inferno surgiu como solução de recurso para um problema não acautelado:
Por puro devaneio de artista, a Criação veio acrescentada de Alma, matéria-prima ainda insuficientemente testada ao tempo, que, apesar de ter proporcionado um brilho inigualável à Obra, se veio a revelar um sarilho dos grandes devido à sua enorme resistência à degradação, que a torna virtualmente imprestável para reciclagem.
Tal como os isótopos radioactivos, as almas perduram muito tempo para além da sua vida útil. No caso vertente, uma verdadeira eternidade, conceito abstracto de difícil apreensão, mas que, para benefício de explanação, podemos calcular ter uma duração, em média, 30 minutos superior à do Jornal da TVI, baixando para apenas 2 minutos acima, se comparada com a duração da Floribela. Estamos a falar, por isso, de uma porrada de tempo.
Tal-qualmente sucede para o urânio enriquecido (que não sabemos como nos livrarmos dele), tem-se revelado insolúvel o problema logístico do destino a dar às Almas que sucessivamente vão sendo desmobilizadas por abate ao efectivo dos respectivos titulares. A política oficial tem sido a de “ir armazenando até ver”. Dessa política infeliz resultou a construção do Inferno.
Como todas as soluções de recurso, o Inferno foi planeado à pressa, em cima do joelho e para servir provisoriamente, com a promessa que rapidamente seria substituído por modernas e modulares instalações, com horizontes despejados e dotadas de suficiente folga para nunca mais se ter que se pensar no assunto. Contava-se até, que já estariam asseguradas, com largueza inédita, dotações e cabimentações orçamentais para tal desiderato.
Acresce a isto o facto da empreitada ter sido adjudicada a um mestre-de-obras português, que ganhou o concurso à custa de uma orçamentação irrealista e que, depois, como é dos usos da profissão, não teve outra alternativa senão ir poupando nos materiais e nas tubagens e motores de ar condicionado (os chineses faziam agora uns muito bons, dizia) que, como é público e notório, custam os olhas da cara. Particularmente os de melhor qualidade (os motores, não os olhos, que estes não têm preço).
Como sempre sucede, o provisório foi-se tornando definitivo e, o que é pior, acabou instrumentalizado ao serviço dos defensores do politicamente correcto, travestindo-se de castigo supremo ao serviço da ortodoxia reinante.
Nada de mais falacioso.
Na verdade, o Inferno é simplesmente uma inevitabilidade e como tal deve ser prosaicamente encarado.
Essa inevitabilidade não resulta de razões comportamentais ou de percursos reprováveis, mas porque, singelamente, não há alternativas, restando apenas lamentar que para tão prolongada estadia nos esteja reservada a completa ausência dos confortos mínimos da civilização ocidental. Os quais, diga-se, assim como assim, também andam cada vez mais arredios do nosso quotidiano. Quem nunca teve uma retrete entupida ou um treçolho? A verdade é que a esmagadora maioria, notoriamente os utentes habituais do Serviço Nacional de Saúde, nem notará a diferença.
A propaganda oficial tem procurado fazer passar a ideia de que é falsa a ausência de alternativas ao Inferno, apontando, em sustentação da sua tese a existência do Céu e do Purgatório, lugares marginalmente mais agradáveis, supostamente acessíveis através de um complicado sistema de créditos baseado no mérito individual, que, aliás, introduziria uma importante nota de Justiça retributiva - cá se fazem cá se pagam – que sempre cai bem.
Porém, só na aparência, tais realidades constituirão alternativas.
É inegável que objectivos meritórios terão estado subjacentes à criação do Céu, mormente no que toca à distinção de carreiras relevantes. Tais objectivos, porém, rapidamente foram subvertidos pelos primeiros ocupantes que, temendo que a massificação e a democratização do acesso lhes viesse a desvalorizar as propriedades, desde cedo aí instituíram uma espécie de condomínio fechado, com estatutos copiados do Conselho de Segurança da ONU: quem está, está e tem direito de veto; quem não está….estivesse. Está assim inviabilizada à nascença qualquer pretensão de entrar para o Céu, por muito mérito que tenha o candidato.
Já o Purgatório, não é, nem nunca foi, uma alternativa. Mais não é do que uma antecâmara do Inferno, separado deste por um simples reposteiro em damasco vermelho. Surgiu por razões de afluência em massa e por necessidades estatísticas, que impõem a catalogação e seriação prévia das almas que se apresentam em catadupa aos portões do Inferno. Técnica que, aliás, é largamente usada nas portas das discotecas da moda. Ou seja, há que gerir o ambiente, mas, mais hora menos hora, lá acabaremos por entrar. Até porque as instruções da gerência são claras: nem um cliente se pode perder.
Estamos por isso conversados no que respeita a alternativas sérias ao Inferno.
Muitos pensarão que dando-se o caso de ser o Inferno uma local sem reserva de admissão, existe uma probabilidade séria de ser um sítio mal frequentado, logo, a evitar a todo o custo.
Daí a extrema popularidade do conceito “Inferno Privativo”, abraçado por muitos como projecto individual de vida. Geralmente, os mais ilustrados aplicam-se esforçadamente na criação de um Inferno privativo, convencidos que daí resultarão os benefícios geralmente associados ao adjectivo “privativo” quando usado em expressões como “estacionamento privativo” ou “sala privativa”. Puro engano: não existe Inferno mais miserável que esse.
Dita a experiência que nada pior para o sossego do que passar a eternidade sozinho com a nossa própria consciência, que aliás foi criada precisamente para nos infernizar a vida.
Além do mais, dado que vão todos lá parar, a frequência não é melhor nem pior do que a de qualquer outro lugar. Simplesmente é a mesma, só que concentrada.
Na posse desta informação, mister é dela tirar alguma utilidade, que se pode resumir na resposta à questão seguinte:
- Demonstrada a inexistência de alternativas, o que fazer então para tornar menos desagradável a estadia?
Uma única coisa: evitar a todo o transe o ostracismo.
No Inferno não há muito o que fazer e, basicamente, conversa-se. É muito difícil matar o tempo e rapidamente se esgotam as novidades (afinal estamos a falar da eternidade). Daí que o povo local seja muito dado a grupinhos, cumplicidades e corporativismos; é muito “nós e os outros”.
Torna-se, por isso, fundamental para quem aí se apresenta de novo cultivar as qualidades de socialização e ser rapidamente aceite nos grupos instituídos. É na integração que reside o segredo do sucesso (bom, sucesso é maneira de falar).
Para isso, nada melhor do que levar da vida boas histórias para contar.
São extremamente valorizadas e de aceitação generalizada, como moeda de troca, no Inferno.
Um pouco como sucede com o tabaco nas prisões.

sábado, dezembro 02, 2006

Ora então, Boas Festas!



A Sereia

De maneiras que... ça suffit!


segunda-feira, novembro 27, 2006

Mário Cesariny (1923-2006)

PASTELARIA

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos
frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.



Morreu.

Banda sonora: "Vita Brevis" Rodrigo Leão

domingo, novembro 19, 2006

Oh Maria....

Uma Maria cansada da sua grafia.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Putana! Ha trovato un buco!

Le Havre, França, Setembro de 1989, Domingo à tarde - Um português, um espanhol, um italiano e uma irlandesa com cara de foca bébé, entram num cinema para verem "Dead Calm", thriller americano, dobrado em francês. Pura falta do que fazer.

Em comum, pouco mais têm do que uma convivência rápida de 15 dias gerada circunstancialmente por motivos vagamente semi-académicos.

Numa cena de elevada intensidade dramática, o herói luta pela vida, aprisionado no interior de um barco a afundar-se. Não tem hipótese nenhuma. Inexoravelmente a àgua sobe no compartimento e vai cobri-lo. Está quase ao nível do pescoço. É o fim prematuro. A audiência rebenta de ansiedade.

Putana! Ha trovato um buco! - Exclama incrédulo Diego, o italiano.

No último instante, o nosso herói encontra um tubinho que lhe permite continuar a respirar por mais uns minutinhos. O tempo suficiente para, recorrendo a artes só acessíveis a heróis, por milagre se livrar daquela enrascada. Eu teria morrido miseravelmente.

É impossivel fazer a contabilidade de todas as pessoas que entram e saem do nosso filme, entre personagens principais, secundárias e figurantes. A esmagadora maioria não deixa qualquer rasto. Um punhado delas fica congelada em fotografias ou produziu um sound byte que ficou por apagar.

Por onde anda essa gente? Alguém a conhece? Que é feito do Diego (2º da esquerda, agachado)? E da foca bébé?

Sugestão para a industriosa malta do Google: Deixem-se de merdinhas e passem às coisas verdadeiramente necessárias. Útil? Útil seria um link directo para cada uma das 6 biliões de pessoas que existem.

Condensada, a coisa é mais ou menos assim...

Reza mais ou menos assim:

sábado, novembro 11, 2006

Importa-se de repetir?

Por falar em traduções.
Aqui à atrasado, fui dos que comprei o DVD que trazia o "Expresso" de borla (poupadinho!). No caso vertente, o filme era o da imagem ao lado, cujo título em português agora não me lembro, mas como sou poliglota de primeira àgua, isso também não faz diferença por aí além. Enfim, dava-se o caso do filme em questão ser o "Lost in translation", título que dito por por mim soa a qualquer coisa com "loste in transleixão".
Tinha apanhado, aqui e ali, algumas referências encomiosas à fita - Festival de Cannes e etc - e como a cavalo dado não se olha os dentes, alegremente passou a ser de minha propriedade.
Como veio foi como ficou. Embrulhadinho no plástico, à espera de melhores dias.
Faço aqui um parentesis para lavrar um protesto.
Não sei de que raio é feito o diabo do plástico com que embrulham CDs e DVDs, mas só podem estar a gozar connosco. Aquilo deve ser feito, de certeza, em alguma liga de titânio, pois, de cada vez que tento ouvir pela primeira vez um disquinho recém comprado é o cabo dos trabalhos. Envolvo-me sempre numa luta homérica para quebrar o dito cujo plástico e só consigo os meus intentos através do manuseio de toda a sorte de armas brancas e instrumentos afiados, com risco da própria integridade física. Já só me falta usar machado.
Adiante!
O filme andou de Anás para Caifás, aos tombos por aqui e por ali. Foi tirado da caixa e ficou esquecido no meio de uma das cerca de trezentas pilhas de papeis que eu mantenho conscenciosamente desarrumadas à minha volta. Reencontrei-o por estes dias, entre a conta do telefone e outro papelucho que pregava os milagrosos benefícios de uma bugiganga qualquer.
Já que estava com a mão na massa e acredito que não se devem menosprezar os pequenos sinais do destino, pensei para mim "É agora!"
Lá o vi, com rara atenção.
Passa-se o seu enredo no Japão, lugar que é o principal personagem do filme. Distante e diferente como só o Japão consegue ser, aquela maluqueira caleidoscópica japonesa fornece o contraponto ideal para servir de pano de fundo a uma história corriqueira: uma homem e um mulher, cada um com vidas próprias que seguem caminhos absolutamente perpendiculares. Esses caminhos, numa inevitabilidade geométrica, cruzam-se por momentos e os caminhantes ficam suspensos no seu lento caminhar, como que a ganhar fôlego para o resto da jornada.
O filme vive da expectativa acerca do que acontecerá aos caminhos. Das perpendiculares resultarão duas linhas paralelas?
Os caminhos não podiam ser mais diferentes entre si: o do homem, longo e sinuoso, já povoado de outros viajantes que ao longo do trajecto se foram juntando por esta ou por aquela cumplicidade; o da mulher, ainda curto, fresco e viçoso, onde todas as derivações são ainda possíveis.
Chegados à encruzilhada, o que fazer?
A vida é avarenta a poupada em sinais de trânsito, particularmente nos cruzamentos. Parcas indicações nos são fornecidas sobre o melhor caminho a seguir, pelo que a maioria das vezes estamos por nossa própria conta e risco e, por isso, são frequentes as colisões.
Num tempo de GPS e mapas interactivos, o sistema operativo que temos carregado no nosso disco duro, embora revolucionário ao tempo da sua concepção, nunca foi objecto de nenhum upgrade. O Vida 1.0 ® continua o mesmo desde o tempo das cavernas e a respectiva documentação técnica está escrita em aramaico antigo, o que não facilita nada a tarefa. Vale-nos a existência de algumas traduções meramente empíricas, mas, a verdade é que em situações criticas, a maioria das vezes, a qualidade da tradução deixa muito a desejar e ficamos a navegar à vista. O jeito é confiar que no final tudo acabe por dar certo ou então não ineventar e apostar em comandos suficientemente conhecidos e já testados. Bem sei que isso pode desperdiçar recursos importantes do software, mas, quem pode garantir que não nos perdemos na tradução? E se, onde se lê "passar ao nível seguinte" não for na versão aramaica original um simples "delete". É que estas linguas antigas têm nuances semânticas que não lembram ao careca.
Complicado?
Não, na verdade é até bem simples.
O filme é um filme bom. É um filme de quase-amor... O que lhe terá ele segredado ao ouvido?
Banda Sonora: "A gente vai continuar" - Jorge Palma

quinta-feira, novembro 09, 2006

Pela estrada fora - Jack Kerouac


Banda sonora: "Walk on the wild side" - Lou Reed

Ele há certos livros que deveriam vir obrigatoriamente acompanhados de manual de instruções. Ou, pelo menos, ter na capa avisos sérios ao consumidor, do tipo: "Fumar mata" ou "Fumar provoca impotência".
Por exemplo: "Pela Estrada Fora" de Jack Kerouac é perigosíssimo. Se cai em mãos menos avisadas pode ter efeitos devastadores e de difícil reversibilidade .
Primeiro porque, em termos puramente literários, não presta. Parece um blog.
Depois, porque provoca reacções socialmente incorrectas no povo masculino no limiar da meia idade. Esta franja da população, importantíssima, como se sabe, para a sustentação da Humanidade, é muito dada a achaques e baralhações, desafinando com relativa facilidade ao primeiro solavanco da calçada. Daí que seja importantíssimo para o concerto do mundo mantê-la afastada de literatura subversiva e, já agora, de má qualidade.
O livreco em questão, manteve-se quieto e inviolado na minha estante por alguns anos. Não por falta de investidas minhas, mas porque eu só bebo do fino. Estou habituado a adjectivações surpreendentes e imagens criativas - o estilo salva mesmo a ideia mais medíocre. Ora sucede que nesse departamento, o nosso livro cultiva a aridez e o despojamento franciscano: é sujeito predicado e complemento directo e olha lá (não garanto que a nomenclatura gramática seja a mais actualizada, mas no meu tempo era assim). Coisa de americano.
Desgraçadamente, veio um dia de chuva aborrecido e o livro lá marchou.
Sensivelmente a um terço da jornada literária, perdemos o respeito ao valor do dinheiro, sacrilégio dos piores que se pode imaginar. Depois, mais ou menos a meio, cresce em nós uma necessidade absoluta e irreprimível de partir à toa para sítios inusitados e improváveis, tipo Buenos Aires ou Vilarinho de Samardã.
Os mais fracos de espírito não terão certamente força suficiente para, como eu, abandonar o demónio do livro na última etapa e confiná-lo à segurança da estante, de onde nunca deveria ter saído.
Mesmo assim, apesar disso, até hoje, ainda está por avaliar a real dimensão dos estragos causados.
Tal como para os tsunamis, deveria existir um sistema de alerta global para leituras impróprias.
Apenas me subsiste uma dúvida: pode dar-se o caso da tradução ser uma porcaria. É que as traduções nunca são de fiar. Não sei.
De maneiras que ficam avisados. E quem avisa... amigo é!

segunda-feira, outubro 23, 2006

O Pedro Tadeu é comunista? Parece-me bem...

No sábado passado escutei na telefonia do carro (acho que é a primeira vez na vida que uso a palavra telefonia) uma entrevista ao Pedro Tadeu, director do 24 Horas.
Confesso que gostei de o ouvir.
Pareceu-me um tipo decente, culto e inteligente, com uma conversa agradável.
Aguentou firme a tanga do entrevistador, saindo airosamente das tábuas, com direito a, pelo menos, uma volta à arena.
É comunista, daqueles de carteirinha e já foi funcionário do Partido. Parece-me bem.
Afinal, mais um a confirmar que o melhor capitalismo selvagem é filho do estalinismo.

terça-feira, outubro 17, 2006

A Lei das Finanças Locais e Luiz Pacheco

O melhor do debate sobre a Lei das Finanças Locais foi o Luiz Pacheco.
Passo a explicar:
Por dever de ofício (e também por não ter emenda) dispus-me a ver ontem (segunda feira) o Prós e Contras sobre a proposta de Lei das Finanças Locais.
Devia saber antecipadamente que dali nada sairia de aproveitável. O programa foi o comício habitual, com berros e gritos sobre matérias acessórias e despropositadas.
A receita destes debates parece ser fazer uma espécie de RGA barulhenta, juntando no mesmo palco casais desavindos, que, obviamente, aproveitam o tempo de antena para discutir questões de alcofa. Tudo embrulhado pela presença de um ou dois protestantes profissionais da nossa praça (sempre os mesmos: no caso vertente, o Saldanha Sanches) os quais, do alto da sua cátedra e enfadados de morte, dizem umas larachas inconsequentes e superficiais, à laia de opinião, que não passam disso mesmo, pois jamais terão que executar alguma coisa.
Ou seja, uma espécie de Fiel ou Infiel, a armar ao pingarelho.
Resumindo, nada de substancial foi dito, e foi bem feito para mim.
Sucede que a função deitou para tarde ( terminou para lá da uma) e espalhou-me o sono.
Felizmente que há males que vêm por bem.
Desavindo com a cama, zappingo para o canal 2, e eis que me entra pela casa dentro, salvo seja, o Luiz Pacheco. Melhor dito, um excelente documentário sobre a vida e obra de Luiz Pacheco.
Para quem não sabe, o Luiz Pacheco é o nosso escritor maldito, função que o aludido desempenha com galhardia e pundonor. E anonimamente, como convém.
Nas palavras do próprio, é “o maior filho da puta vivo” ( se é que ainda está vivo, pois o figurão está há uma porrada de anos para morrer, sem o conseguir).
Encontrei pela primeira vez o nosso Luiz no século passado, na capa da revista Kapa (soa mal, mas não há outra maneira de dizer), onde, em entrevista, confessava, desassombradamente, que em matéria de catraias, gostava delas novas. E o entrevistador reconhecia que o “cabrão estava coberto de razão”.
Anos mais tarde acabei por ler na Internet a sua “opus major” – O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor – a excelência da escrita e da Ideia, ao serviço do carroceiro mais desbragado. Achei que, dificilmente, alguma vez o Pacheco seria desapeado do trono nacional de escritor maldito, pois a coisa tem perenidade.
O nosso libertino, que fez da mendicidade o seu modo de vida, nunca escondeu que catalogava os seus amigos, pragmaticamente, por escalões baseados na quantidade de dinheiro que era seguro cravar-lhes. Tinha amigos de 5, 10, 20, 500 e 1 000 escudos. Ilustrando: fulano era um amigo de 5 “paus” porque se pode cravar-lhe, à vontade, essa quantia, que ele desembolsa sem chiar, mas acima disso, népias.
Apesar de ter alguns amigos de 1 000 paus, o Luiz não era tolo de os esfolar desabridamente. Previdente, reservava-os para as aflições da vida.
Talvez este sistema engenhoso e seguro, pudesse ser plasmado na Lei da Finanças Locais, sei lá.
Curiosamente, Mário Soares era amigo de 20 paus.
Certo dia, um jornalista sem imaginação perguntou-lhe o que diria aos jovens escritores que estão a começar.
- Puta que os pariu! – respondeu o Pacheco.
Do melhor!
De maneiras que é assim.

P.S. Acho que ainda vou escrever qualquer coisa a sério sobre a Lei das Finanças Locais.
A minha vida dava--------------> uma grande volta ao bilhar

terça-feira, outubro 10, 2006

Uma dúvida que me assalta

Qual dos dois é o melhor filme que já vi?

O Fabuloso destino de Amélie


Amarcord


Curiosamente, ambos versam, indirectamente, os benefícios do tabaco.
Num, a vantagem de ter uma caixinha de charutos. ( Amélie)
Noutro, a vantagem de ter uma tabacaria por perto. (Amarcord)

A minha vida dava ----------> duas longas metragens

quarta-feira, outubro 04, 2006

Camera Obscura: Eles estão preparados

A boa notícia é que os Camera Obscura, aparentemente, estão preparados e respondem à dúvida do post anterior. Quem sabe lhes esteja reservada uma entrada no dicionário na próxima edição. O concerto do mundo saíria ligeiramente beneficiado.
(vide post antecedente)

A minha vida dava--------> uma banda sonora: Camera Obscura "LLoyd, I'm ready to be heartbroken"

terça-feira, outubro 03, 2006

O amor? - Vem no dicionário.

amorEu gosto do Dicionário de Língua Portuguesa do Porto Editora, particularmente da 6ª edição, que está aqui aberto ao meu lado esquerdo.
Não tem pedigree. Não é um vetusto Aurélio ou um quilométrico Houaiss, nem frequenta estantes requintadas, com retorcidos em madeiras nobres. Porém, é franco e directo e não se perde em rodriguinhos nem tem hesitações semânticas, o que só depõe a seu favor. Ou seja, não lateraliza o jogo, nem atrasa para o guarda-redes.
Qual Jardel no tempo da Karen, bola nos pés é bola na rede.
Tenho para mim que o Dicionário cor de laranja, está sub aproveitado pelo género humano.
Não, não exagero! Quem se limita a lançar mão dele para resolver a ocasional dúvida ortográfica ou para decifrar a semiótica de algum cronista mais “mete-nojo”, desperdiça olimpicamente um armazém de civilização, devidamente coada de excrescências e impurezas que só nos atrapalhariam. O essencial da Natureza Humana está lá todo, resolvido e explicadinho, pronto a usar, para benefício, até, do mentecapto mais empedernido.
Então, em matéria de metafísica, o meu Dicionário é uma bênção!
Dúvida ou angústia existencial que trespasse o meu humilde espírito tem a exacta duração do tempo que demoro a chegar junto do Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora.
Quem nunca comeu distraidamente uma tosta mista a magicar sobre o sentido da vida, que atire a primeira pedra! É ou não é um verdadeiro sudoku? Garanto aos não iniciados que é uma maçada das mais bravas, capaz de nos tirar anos de vida.
Mas, pergunto eu: porquê escolher a flagelação, meus senhores, se temos tudo devidamente dissecado no dicionáriozinho?
Vida: s. f.; estado de actividade dos animais e das plantas; o tempo que decorre desde o nascimento até à morte.
Com esta clareza cristalina facilmente entendemos o sentido da vida: Nascemos com o propósito de participarmos em actividades. Por isso, toca a bulir, não vá morrermos de repente. Assunto resolvido.
Então? Não falei? Chego a arrepiar-me com a eficácia do dicionário nestas questões ontológicas.
Acho particularmente interessante o caso do amor.
O amor sendo um produto da civilização, tem tirado o sono à gente civilizada.
Digo à gente civilizada, porque os outros, os bárbaros, conhecem apenas a parte prazenteira do sistema reprodutivo humano e, por isso, não têm problemas nesse departamento. Limitam-se a aproveitar a bênção, com evidentes benefícios para o seu equilíbrio emocional.
Nós, os civilizados, desde o tempo do Crescente Fértil, que, por manifesta falta do que fazer, começamos um longo processo tendente a complicar a matéria.
Reconheço que, na altura, sem os conhecimentos científicos de agora, devia ser difícil acreditar que sendo a tarefa de perpetuar a espécie tão deliciosa e remuneradora de levar a cabo, não lhe tivesse associado um custo oculto ou uma cláusula penal escondida em hieróglifos pequeniníssimos, tipo apólice de seguro. Somos desconfiados por natureza, porque disso depende a nossa sobrevivência. Por isso compreendo.
O certo é que face à ausência de indícios da existência desse custo associado, resolvemos inventá-lo, misturando culpa e angústia em doses exageradas, fórmula que, ao longo de milhares de anos, foi recebendo intrincados melhoramentos (ou pioramentos, consoante a perspectiva) e refinados contributos de toda a sorte de gente desocupada (aspirantes a poetas, porteiros, profetas, escribas, frades, gerentes comerciais, etc.), até atingir o ponto de não retorno em que nos encontramos hoje. Estima-se que, só no incêndio da Biblioteca de Alexandria, se tenham perdido 25 000 volumes, metade dos quais em verso alexandrino, sobre as vicissitudes do amor
Na verdade, a busca da natureza e essência do amor, o que quer que isso seja, transformou-se no que é hoje: um dos pilares da civilização e parte integrante do seu conceito.
No início tínhamos um honesto incentivo à reprodução, que nos era oferecido, de borla, pela Mãe Natureza, que, para tal, engendrou uma complexa interacção bio-química de ácidos e bases. Hoje temos uma teia de angústias, neuras e melancolias que nos reduzem o prémio à dimensão do ridículo.
Somos uma espécie de sucesso porque a nossa multiplicação é, incomparavelmente, a melhor coisa que se pode arranjar para fazer, independentemente da hora ou das condições atmosféricas que se façam sentir.
Fosse a perpetuação um mero dever e, relapsos como somos, cedo cederíamos aos encantos de uma qualquer Playstation fornecedora de adrenalina portátil, caminhando alegremente para a extinção da espécie.
Pena que, quando a derivação do propósito do amor se iniciou, lá para os finais do Neolítico, não houvesse um Dicionário Porto Editora à mão.
Página 95 – Amor: s.m. sentimento que nos impele para o objecto dos nossos desejos. Nada mais simples. Caso encerrado, pois o amor vem no dicionário.
Tínhamos sido poupados a muito sofrimento sem sentido. E mais, a muita literatura enjoada, o que não é, de todo, despiciendo.
Quando muito, sobrar-nos-ia a perplexidade de LLoyd Cole, literalmente:
Alguma vez estaremos preparados para que nos quebrem o coração?
Suspeito que a resposta seja negativa.
É que não vem no dicionário.


A minha vida dava ------------> uma banda sonora: misturar com LLoyd Cole & The Commotions “Are you ready to be heartbroken?”

sexta-feira, setembro 08, 2006

Setembro é.....


O mês de Setembro, em boa verdade, mais não é do que um gigantesca Segunda Feira.
Experimentem Imaginar que a próxima Segunda Feira terá a duração de 30 dias!
É ou não uma perspectiva suficientemente assustadora para o comum dos mortais? Uh?
Aqui, no hemisfério norte, é precisamente isso que Setembro é: uma interminável Segunda Feira, que, desgraçadamente, ainda só vai nas primeiras horas da madrugada.
Depois dos desmandos de Agosto; da desregulamentação na bebida e na comida; depois do “dolce far niente” à borda da água e das sestas intermináveis, eis que chega Setembro, o execrável mês Segunda Feira!
Pensando bem, o melhor ainda é virar para o outro lado, virar o travesseiro e continuar o doce entorpecimento.
Afinal, poucas são as almas indispensáveis ao regular funcionamento do mundo. E eu, seguramente, não sou uma delas.
De maneiras que…acordem-me quando Setembro acabar. Ok…?


A minha vida dava.... uma banda sonora --------> misturar com: Green Day " Wake me up when September ends."
Posted by Picasa